sexta-feira, 11 de abril de 2014

CORRUPÇÃO E EXEMPLARIDADE.

Agentes públicos e detentores do poder não podem ignorar que as pessoas poderosas dão o tom moral da sociedade através do exemplo.

Em tempos de mensalão, licitações viciadas do metrô e tantas outras estrepolias dos políticos brasileiros, oportuno se faz recordar que é na honra e na exemplaridade que reside sua missão cívica. Como bem enfatiza Gomá Lanzón (2009, p. 261): "O espaço público está cimentado sobre a exemplaridade, esse é seu cenário mais genuíno e próprio. A política é a arte da exemplaridade". Para se cumprir esse mandamento, o funcionário e o político devem "predicar com o exemplo", porque, no âmbito moral, só o exemplo "predica" de modo convincente, não as promessas, os discursos, os quais, sem a força do exemplo (e da exemplaridade), carecem de convicção, caem no vazio (Gomá Lanzón: 2009, p. 265).
A tese aristotélica da virtude-participação foi bem sintetizada por Javier Gomá Lanzón (2009), da seguinte maneira: "A cidade (polis) é uma comunidade natural... ela encaminha os homens para a vida boa e para a prática da virtude. Para além dessa virtude genérica (que deve acompanhar todos os homens) existe outra virtude (como defendida por Aristóteles) que é "política" (arete politike), que é típica do cidadão. Depois de satisfeitas as necessidades básicas (da casa, do trabalho, da subsistência etc.), a cidade oferece aos cidadãos um espaço público para o ócio, a amizade,  a eleição de uma vida em comum e para a deliberação das grandes decisões políticas. O cidadão virtuoso deve ter a aspiração de participar da vida política da sua polis... porque o homem [ser humano] é por natureza um "animal cívico", que tende por instinto à socialização... por meio da comunicação social".
No tempo de Aristóteles a virtude-participação incluía as deliberações mais importantes da cidade. O cidadão decidia os destinos da cidade. Hoje participamos dessas decisões de forma indireta, pelo voto. Mas devemos atualizar essa virtude para nela incluir outros tipos de participação na vida pública, além da eleição do governo democrático. Também é participar de vida política da sua comunidade protestar, escrever, falar, debater, discordar etc. É dessa virtude-participação que não podemos fugir. De qualquer modo, precisamos reformular nossa vulgaridade e construir bases morais e costumes típicos da convivência cidadã. Nossa polis carece de um corpo unitário e sólido de crenças coletivas que orientem a socialização da cidadania.
O homo democraticus precisa aceitar sua autolimitação para se ver livre da sua espontaneidade e dos seus instintos (sobretudo corporativistas) pouco urbanizados. Gomá Lanzón acrescenta: "É no exemplo pessoal e não no discurso onde a regra prepondera sobre a intuição (...). Porque alguém, em circunstâncias parecidas às minhas, é honesto, justo, equânime e legal, e eu não? Se o outro é solidário, humanitário, compassivo em relação aos seus semelhantes, o que me impede de sê-lo também? Quando observo um terceiro comportar-se com urbanidade e civismo, onde fica minha barbárie? Na maioria dos casos, o exemplo se exibe na publicidade da casa, do trabalho, da praça pública (...) ao "eu" surpreendido na mediocridade (e vulgaridade) só resta explicar-se e reformar-se".
Os agentes públicos, e particularmente os detentores do poder, não podem ignorar que todas as pessoas poderosas dão o tom moral da sociedade; eles criam pautas e expectativas de comportamento; são eles que definem o que é proibido e o que é permitido. Não podem desconsiderar (como enfatiza Gomá Lanzón, 2009, p. 262) que eles são fontes da moralidade social. Eles governam produzindo leis e sentenças, mas também produzindo costumes. Os políticos não são apenas o que eles fazem, sim, também o que eles revelam em termos de moralidade e exemplaridade. Deles se exige um plus de responsabilidade. Aliás, é a exemplaridade muito mais profunda que a coação legal, porque esta afeta somente a liberdade externa dos cidadãos. O que é ensinado pelas autoridades em termos de ética e de moral bate fundo no coração de cada cidadão.
Recorde-se que os programas dos partidos políticos são (plasticamente) intercambiáveis e dizem quase sempre a mesma coisa. "A verdadeira diferença, a summa divisio rerum na política, a encontramos, pois, não no que eles são, sim, na linha que separa dois estilos contrapostos de vida, o vulgar e o exemplar" (Gomá Lazón). Em suma, o que mais importa hoje, para além de uma boa governança, é a exemplaridade, a honestidade, a retidão, a ética do político ou governante. Há uma enorme espaço para esse tipo de político no nosso país.

Fonte: ultimainstancia.uol.com.br

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